Comida de rua no Brasil

História da comida de rua no Brasil

A comida de rua é uma herança do período colonial, quando essa atividade era exercida exclusivamente por mulheres

A origem da comida de rua remonta a tempos longínquos quando viajantes, mercadores e peregrinos alimentavam-se nas ruas, por permanecerem longos períodos longe de suas moradias.

No Brasil, a comida de rua é uma herança do período colonial, quando essa atividade era exercida exclusivamente por mulheres, assegurada pela legislação da coroa lusa que, com a chegada da família real portuguesa, se intensificou competindo com os preços abusivos dos grandes comerciantes portugueses.

Comer “apressadamente” – e com preços “mais em conta” fora do lar é uma rotina cada vez mais comum na sociedade moderna. ”Comer na rua, em porções, com as mãos e, por vezes, sentado na calçada está na moda, como a onda recente dos “foodtrucks”.

“A comida de rua pode ser considerada uma realidade de dupla face: por um lado alimenta e nutre, por outro, absorve um crescente número de trabalhadores, satisfazendo duas grandes necessidades do mundo atual, alimentar a população a um baixo custo e empregar trabalhadores, escrevem os professores Fernando Lefevre e Ana Maria Cavalcanti Lefevre da FSP no livro Alimentos de Rua no Brasil e Saúde Pública.

História da comida de rua no Brasil

Na mesa brasileira, se conhece a história do povo, construída com base na diversidade étnica e de costumes. Uma história de temperos, de cores, de folhas, de frutas e sabores ensinados de uma geração para outra. Muitas das receitas ultrapassaram as fronteiras das regiões onde surgiram e ganharam lugar nas mesas de todos os brasileiros.

Não é de hoje, porém, que o brasileiros e alimenta nas calçadas dos principais centros urbanos e esta prática encontra-se estabelecida nas mais distintas regiões, com o comércio de produtos industrializados e manufaturados e preparações da culinária regional e local, como exemplos, o tacacá paraense, a tapioca potiguar, o queijo de coalho pernambucano, o acarajé baiano, o espetinho carioca e o cachorro quente paulista.

Período escravagista

As primeiras vendas de comida nas ruas se estabeleceram nos grandes centros do país, Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador por meio da exploração do trabalho dos escravos de rua no Período Escravagista.A partir de meados do século XVIII, com o crescimento da população e da economia, os escravos adquiriram um novo perfil nas cidades, sendo utilizados também na produção, venda ou prestação de serviços a terceiros, colaborando, desta forma, para complementar o orçamento doméstico de seus senhores, os chamados de “Escravos de Ganho”.

Estes escravos, além das tarefas propriamente domésticas, como cozinhar, lavar, passar, limpar e cuidar da pessoa de seus patrões, se entregavam a trabalhos lucrativos, que geravam a renda de sua senhora, ou seja, à produção de bordados e, especialmente, de comidas para serem vendidas na rua, por ambulantes.

Para se compreender o que era realmente o escravo de ganho, é necessário pensar no modelo escravagista que existia no Brasil, durante o início do século XIX. Existiam os escravos domésticos que eram utilizados nas áreas urbanas, escravos de aluguel, escravos de ganho e os escravos produtivos que trabalhavam nas áreas rurais, a mão de obra essencial da produção, como no caso dos engenhos de açúcar na Região Nordeste. Os escravos que chegavam ao Brasil eram prioritariamente encaminhados às zonas rurais, daí a necessidade de constante chegada de mão de obra para atender à demanda do latifúndio monocultor.

Em Salvador e no Rio de Janeiro, as escravas levavam para as ruas os quitutes que preparavam em casa: beijus, cuscuzes, bolinhos, etc. percorrendo as cidades levando os alimentos em tabuleiros, trabalhando como vendedoras ambulantes.

Tipos de alimentos

E com que tipos de comida eram preenchidos os tabuleiros das quitandeiras e doceiras? Preparada por mãos negras, a comida ambulante tinha forte herança africana, especialmente em Salvador e no Rio de Janeiro, onde os contingentes de escravos foram historicamente maiores. Entre os pratos servidos no Rio de Janeiro, por exemplo, havia pamonha, acaçá, acarajés e manuês (tipo de bolo de milho). A influência portuguesa aparece na confecção do pão-de-ló e sonhos.

Em Salvador as escravas, conhecidas também como “escravas ganhadeiras”, levavam para as ruas em tabuleiros os quitutes que preparavam em casa como beijus, cuscuzes, bolinhos e muitos preparos identificados com a chamada “comida de santo”, que pinçava aspectos da religiosidade com os Orixás, com muito azeite de dendê e coco, trabalhando como vendedoras ambulantes. Até hoje tem destaque a venda de acarajé em tabuleiros, feita pelas tradicionais “baianas” vestidas em seus trajes típicos

O tabuleiro das escravas quitandeiras era preenchido por frutas, verduras, petiscos e até comida barata, preparadas com antecedência ou feita ali, na frente do comprador como uma feijoada rala, com feijão preto e poucas carnes, com o toucinho e carne-seca.

Para matar o calor, muita fruta fresca, com o cajus, limas, limões doces e tocos de cana-de-açúcar e bebidas refrescantes. Entre as mais comuns estava o aluá, feito a partir do arroz macerado, fermentado e depois adoçado com rapadura. Existiam também as variações feitas a partir de milho fermentado ou de cascas de abacaxi, versão até hoje difundida em cidades do Nordeste.

Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil

O Ofício das Baianas de Acarajé de Salvador tornou-se Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, em 15 de Agosto de 2005, ao ser inscrito no Livro de Registro de Saberes instituído pelo Decreto Federal nº 3551 de 4 de Agosto de 2000, seguido no Rio de Janeiro pelo Decreto nº 34.391 de 12 de Setembro de 2011.

Outros tipos de comida

Em São Paulo, a comida de rua era diferente. Com contingente menor de escravos urbanos, a influência indígena e bandeirante era mais forte, segundo os escassos registros sobre a comida ambulante. A quitandeira paulistana, que ainda assim também era ou fora escrava negra, dependia dos alimentos obtidos nos arredores, como os pinhões cozidos e amendoins e“ içás torradas (fêmea alada das saúvas, tanajuras do gênero Atta) e ainda as empadas de cuscuz feitas com peixes e pitus pescados em rios da região, como o Tamanduateí, em porção para comerem poucas bocadas.

As “ganhadeiras”, além de trabalharem para seus senhores, podiam também guardar parte do arrecadado com as vendas e, desta forma, amealharem dinheiro para o sustento de suas famílias.

Os escravos de ganho podiam receber do seu senhor parte do lucro obtido com sua atividade. Em outros casos, atingiam a meta imposta pelo seu dono, e ficavam com o excedente para si e também havia a alternativa de cumprirem a jornada de trabalho imposta pelo seu senhor, e após realizar o trabalho para conseguir dinheiro para si.

Com essa flexibilidade, houve a possibilidade de atos “desonestos” por parte dos escravos, manipulando os lucros obtidos pela possibilidade até mesmo de juntarem dinheiro para a compra de suas alforrias o que, apesar de ser um sonho sempre presente no cotidiano dos negros escravizados, era bastante difícil de ser alcançado.

A combinação de espaço, tempo histórico, oferta de alimentos, grupos étnicos envolvidos, entre tantos outros fatores, determinaram as escolhas feitas à época para as primeiras comidas de rua do país.

Fim da escravidão

Com o fim da escravidão, as cidades passaram a receber um grande número de imigrantes e ex-escravos, em busca de moradia e oportunidades de trabalho. Os pobres, os escravos e libertos, encontraram como alternativa de sustento e de alimentação a vendas de comidas na rua, constituída por um tipo de comercio de miúdos de gêneros alimentícios, especialmente na segunda metade do século XIX, quando começaram a surgir os primeiros restaurantes, cafés e confeitarias, por influência europeia, como a Confeitaria Colombo no Rio de Janeiro fundada em 1894.

Na atualidade enquanto que para muitos o comércio ambulante passou a representar a única forma de sobrevivência, consolidada como faixa informal de nossa economia, para os consumidores constitui-se na melhor forma de alimentar-se fora do lar, principalmente pela praticidade e pelo preço reduzido desses alimentos, condições que permitiu a proliferação e intensificação com o gradual empobrecimento da população.

Uma série de estudos, idealizado pelo presidente da McCann Américas, Luca Lindner (projeto “TruthAbout Street”), teve como pano de fundo a América Latina, com o tema “Comidas na rua”. Mais de 2,5 mil funcionários do grupo foram às ruas das principais cidades de países como Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, México, Porto Rico, Guatemala para coletar informações sobre os hábitos dos consumidores, principalmente aqueles concentrados nas classes C e D, em relação ao assunto. No Brasil, as cidades pesquisadas foram São Paulo e Rio de Janeiro, com o desenvolvimento da pesquisa envolvendo desde o Office Boy da agência até a Alta Gerência, que foram as ruas em diversos horários de 45 pontos da capital paulista e outros 15 no Rio. Para se chegar à definição do que era “comida de rua / streetfood”, foi estabelecido que estivessem dentro do critério tudo os que os consumidores podem comer e beber enquanto estão em trânsito, em no máximo 30 minutos, e tendo como limite de custo o valor de US$ 5. Isso gerou uma estimativa de que, no Brasil, são cerca de 62,7 milhões de pessoas que estão dentro dessa faixa de consumidores que geram um gasto anual superior a R$ 9,2 bilhões. Na América Latina (Argentina, Chile, Peru, Venezuela, México, Porto Rico, Guatemala), são 177 milhões de pessoas e US$ 127 bilhões em consumo por ano.

O executivo disse que foram realizadas 4,2 mil entrevistas no eixo Rio–São Paulo, que serviram de base para a descoberta de “10 verdades” sobre o consumo da comida de rua nessas cidades: 1. as marcas são quase invisíveis; 2. mover‐se é preciso, comer é acessório; 3. A intimidade gera confiança; 4. a oferta deve ser simples e conveniente;5. o que os olhos não veem o estômago não sente; 6. a rua tem um tempero diferente; 7. culpa (in)consciente; 8. lei da compensação: uma balança “nutritiva”; 9. excesso de informação, pouca compreensão; 10. bem‐estar é sentir‐se bem agora.

Comer “apressadamente” e com preços “mais em conta” fora do lar é uma rotina cada vez mais comum na sociedade moderna, revela o estudo. Diante desse perfil de consumo, a preocupação com o tema sobre “Dieta Saudável” ganha projeção nacional, focando no aspecto saúde.

Por Cláudio Sérgio Pimentel Bastos
Médico Veterinário Sanitarista da IVISA-RIO da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura do Rio de Janeiro.
Pintura Jean-Baptiste Debret

 

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