Alimentos & Saúde
Alimentos nutritivos, indispensáveis à saúde, longevidade e qualidade de vida, representam um grande sonho da humanidade. O alcançar desse objetivo exige estudos e debates profundos, desenvolvidos há séculos e presentes na atualidade
Em boa hora, no limiar do ano de 2023, a secular e dinâmica Sociedade Nacional de Agricultura leva a debate mais um tema de indiscutível relevância. Alimentos e Saúde se interrelacionam e se interdependem. Alimento é vida; saúde é o que se busca para bem vivê-la. O sucesso deste novo site pode ser previsto pela pertinência do tema e pela competente coordenação do Jornalista e Médico Veterinário Luiz Octávio Pires Leal.
Conta-se que um professor de biologia, visando motivar seus alunos, iniciou a aula com a pergunta: – quem de vocês acredita em milagre? Como era de se esperar o grupo dividiu-se, uns dizendo acreditar, outros não. O mestre, finalmente, deu a sua opinião: – Eu só acredito em milagre. A vida é um milagre. O milagre está aqui. Podemos nos comunicar através da palavra oral e escrita e somos nós, os primatas humanos, os únicos seres vivos a usufruir deste milagre. Olhem em volta, observem a natureza, os animais, as plantas. Vejam, através dos microscópios, bactérias, fungos, protozoários, algas unicelulares, todos os micro-organismos e saibam que tudo isso é o milagre da vida e acreditem nele.
Ao enfocar o ser humano como elo final de uma cadeia alimentar, permito-me resumir o belíssimo milagre da síntese inicial do alimento. Os raios solares incidem sobre uma folha verde. Começa aí o milagre da fotossíntese. O gás carbônico do ar e a água do solo combinam-se pela ação energética do sol. Forma-se açúcar simples na folha e, mediante processos químicos no sofisticado laboratório instalado dentro da planta, surgem amidos, óleos e proteínas. As plantas podem alimentar o homem diretamente ou, ao passar pelo organismo animal, sofrer extraordinários benefícios nutricionais.
Alimentos nutritivos, indispensáveis à saúde, longevidade e qualidade de vida, representam um grande sonho da humanidade. O alcançar desse objetivo exige estudos e debates profundos, desenvolvidos há séculos e presentes na atualidade. Permitir que alimento de qualidade chegue a todas as mesas, para alcançar os diversos segmentos da sociedade, deveria merecer prioridade de todos os governos.
Permitir que alimento de qualidade chegue a todas as mesas, para alcançar os diversos segmentos da sociedade, deveria merecer prioridade de todos os governos.
Alimento saudável, de origem vegetal ou animal, começa por depender da qualidade do solo. O supercontinente Gondwana que existiu há mais de duzentos milhões de anos e que ao fragmentar-se formou os subcontinentes da África, América do Sul, Antártida, Índia e Austrália apresentava a mais luxuriante floresta do globo. A riqueza do seu solo permitiu vida exuberante aos vegetais e consequentemente aos animais que deles se alimentavam. Alguns atingiram tamanhos colossais como o Antartossaurus, cujo fêmur tinha mais de dois metros e meio.
Em contrapartida, solos degradados produzem alimentos carentes, gerando consequências nefastas. A história confirma que todas as civilizações atingiram seu esplendor quando foi maior a fertilidade do seu território. Sua decadência, com o passar dos séculos, acompanha a degradação do solo. A demonstração científica desse fato foi inicialmente comprovada com os estudos do Prof. Justus von Liebig (1803 – 1873) que, no Século XIX, publicou o livro Química Fisiológica Aplicada à Nutrição dos Vegetais, em que estudou o metabolismo das plantas e formulou a Lei do Mínimo, segundo a qual o nível da colheita é diretamente proporcional aos elementos nutritivos do solo. Nasceram aí os princípios fundamentais da adubação. Quanto mais rico o solo, mais saudável o alimento que ele produz.
Eis outra prova dessa assertiva, citada por Josué de Castro na Geopolítica da Fome: “O professor Hooton, da Universidade de Harvard, estudando os esqueletos dos índios Pecos que viveram nas planícies dos Estados Unidos, notou que, no espaço de um milênio, foram os mesmos diminuindo progressivamente de estatura, enquanto ia aumentando a incidência de deformações ósseas e das cáries dentárias. Atribui aquele antropologista a decadência biológica evolutiva deste grupo humano ao progressivo esgotamento do solo por ele habitado”.
A vocação natural do Brasil como produtor de alimentos, seu potencial, tão propagado no passado, tornou-se esta realidade do presente: estamos entre os maiores produtores mundiais de alimentos e ocupamos posição de vanguarda na tecnologia usada para produzi-los.
A vocação natural do Brasil como produtor de alimentos, seu potencial, tão propagado no passado, tornou-se esta realidade do presente: estamos entre os maiores produtores mundiais de alimentos e ocupamos posição de vanguarda na tecnologia usada para produzi-los. O livro Brasil: Potência Alimentar, de autoria de Milton Thiago de Mello e Antônio Alvarenga, publicado pela SNA, em 2014 – de que tive a honra de escrever um dos seus capítulos, com enfoque na Agricultura Familiar –, bem retrata esta realidade.
A explosão demográfica atinge proporções assustadoras. No ano de 1800 éramos apenas um bilhão de habitantes. Um século depois, no limiar do Século XX, não havíamos alcançado ainda o segundo bilhão. No dia 15 de novembro de 2022, o Secretário Geral das Nações Unidas declarou que naquela data o mundo alcançou oito bilhões de habitantes. De acordo com o The World Economic Forum, em 2050 a população mundial deve chegar a 9,8 bilhões de habitantes. E todos esses seres humanos precisam se alimentar.
Entretanto, não podemos esquecer que a preservação do meio ambiente é indispensável à sobrevivência da vida no Planeta. Urge não somente preservar, mas recuperar com urgência o que tem sido devastado nos últimos anos. A solução, portanto, é aumentar a produtividade. É produzir mais em menor espaço. É investir com maior intensidade nas pesquisas científicas. Institutos de pesquisas e universidades, precisam receber mais incentivos. É preciso investir mais em educação para que jovens vocacionados à pesquisa tenham oportunidade de se preparar, substituir e superar os atuais pesquisadores.
Já possuímos uma agricultura e uma pecuária exuberantes. Detemos a tecnologia de manutenção da fertilidade do solo e recuperação de terras degradadas. Temos grandes empresários investindo fortemente no agronegócio. De acordo com estudo elaborado pela Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas da Embrapa, o Brasil responde por 50% do mercado mundial de soja e alcançou, em 2020, o posto de segundo exportador de milho. Temos o maior rebanho bovino do mundo e somos o maior exportador desta carne. Possuímos o quarto rebanho de galináceos, somos o maior exportador de carne de frango e estamos também entre os maiores produtores de frutas, café e açúcar.
Não menos importante na produção de alimentos, sobretudo para consumo interno, é a nossa igualmente notável Agricultura Familiar. Importantíssima tanto no abastecimento do mercado interno quanto para controle da inflação dos alimentos. Do que vem à mesa do brasileiro, cerca de 80% é produzido pela nossa Agricultura Familiar.
Não menos importante na produção de alimentos, sobretudo para consumo interno, é a nossa igualmente notável Agricultura Familiar. Importantíssima tanto no abastecimento do mercado interno quanto para controle da inflação dos alimentos. Responsável pela produção nacional de 70% do feijão, 34% do arroz, 87% da mandioca, 60% do leite, 59% do rebanho suíno, 50% das aves e 30% dos bovinos. Do que vem à mesa do brasileiro, cerca de 80% é produzido pela nossa Agricultura Familiar.
Diante deste quadro aparentemente alentador do Brasil como Potência Alimentar, registramos a vergonhosa cifra de 33 milhões de famintos. O célebre político paraibano José Américo de Almeida, no seu famoso romance A Bagaceira (1928), bem retrata este triste quadro: “Há uma miséria maior que morrer de fome no deserto, é não ter o que comer na terra de Canaã”.
O Brasil que ocupa o seu legitimo posto na produção mundial de alimentos há de apagar essa mancha que tanto nos envergonha. Não podemos perder a fé. Urge cultivar a esperança. “Se cada brasileiro puder tomar café, almoçar e jantar, terei cumprido a missão da minha vida”, palavras do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Parabéns à SNA. Que este novo site seja um agente catalizador para o mais amplo debate sobre Alimentos e Saúde Pública.
Por René Dubois
Membro da Academia Brasileira de Medicina Veterinária
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