Alimentos e obesidade

É preciso uma reflexão a respeito da assimetria comportamental entre o grau de penetração crescente que os produtos ultra processados alcançam no cotidiano da população

As projeções mais pessimistas para o crescimento das ocorrências de sobrepeso e obesidade na população brasileira são alarmantes. As otimistas não garantem que este fenômeno, intensificado nas últimas décadas, abandonará as principais posições na lista dos maiores desafios na área da saúde pública.

Estudo a respeito do tema, publicado em 2021 pelo Ministério da Saúde, e que analisou a Pesquisa Nacional de Saúde de 2020, deixa bem explícito o modo como o quadro no país se deteriorou: cerca de 96 milhões de brasileiros, aproximadamente 60% da população, apresentam excesso de peso, com o público feminino atingindo 63% deste total. Considerando as crianças acompanhadas pelo programa Atenção Primária à Saúde, os levantamentos mostram os seguintes indicadores de peso acima do padrão estabelecido: 15,8 % no grupo de crianças até 5 anos de idade e 33,9 %para a faixa entre 5 e 9 anos. Quanto à obesidade, com base nesses percentuais apurados, os índices foram calculados em 7,6 e 17,8 %, respectivamente.

Aproximadamente 60% da população, apresenta excesso de peso, com o público feminino atingindo 63% deste total.

Este mesmo programa, em 2021, ao examinar a situação dos adolescentes, estabeleceu o parâmetro de 33 % para os que apresentavam índices superiores em relação ao peso padrão e 13 % para os portadores de obesidade. Nessa goleada de resultados decepcionantes – excluindo-se a eventual contribuição perversa de componentes hereditários que podem atuar comprometendo o adequado funcionamento do organismo –a obesidade conta com dois fatores estimulantes: a qualidade sofrível dos alimentos escolhidos no dia a dia e a cômoda opção pelo sedentarismo.

Atesta-se, com certa facilidade, que esses dois implacáveis adversários da vida saudável fazem parte das diversas fases da linha do tempo de um indivíduo: criança, jovem, adulto e idoso.

Cabe, então, uma reflexão a respeito da assimetria comportamental entre o grau de penetração crescente que os produtos ultra processados alcançam no cotidiano da população – com graves impactos no metabolismo das pessoas, já a partir da infância – quando comparamos com a vasta gama de alternativas disponíveis para a adoção de uma alimentação bem balanceada, rica em nutrientes.

É consenso que, no Brasil, as condições meteorológicas favoráveis durante quase todo o ano associadas à disponibilidade de terras, proporcionam oportunidades relevantes para a produção de alimentos frescos, tanto em elevada escala pelo agronegócio, como em áreas menores de cultivo. No entanto, o que se observa é uma destacada preferência por alimentos calóricos, causando graves distúrbios no organismo humano, uma consequência indireta da baixa prioridade em manter o peso nos limites recomendados pela classe médica.

Cabe, então, ao consumidor, preocupado com o seu bem-estar geral e da sua família, fazer as suas escolhas optando pelos mais saudáveis.

A indústria alimentícia disponibiliza no mercado uma quantidade incalculável de produtos, todos intercambiáveis na prática devido à existência de inúmeros similares, quase sempre apresentados lado a lado nos pontos de venda. Cabe, então, ao consumidor, preocupado com o seu bem-estar geral e da sua família, fazer as suas escolhas optando pelos mais saudáveis. Como aliada nessa luta pelo melhor estilo de viver, a análise das informações nutricionais e calóricas contidas nos rótulos das embalagens não devem ser relegada a um plano secundário.

Merece destaque, também, o contínuo aprimoramento no formato pelo qual as informações contidas nos rótulos chegam às mãos e olhos do consumidor. Esse esforço é compartilhado entre indústria e órgãos governamentais de controle de qualidade dos alimentos, sempre focando na maneira mais eficaz de assimilação pelo consumidor, da mensagem das características do produto que acompanha a embalagem.

Esse cuidado com o alimento a ser adquirido para as refeições em casa e nos programas de lazer deve ser priorizado quando somos responsáveis pela nutrição de crianças. Muitos pais ainda confundem o acúmulo de gordura em seus filhos como uma comprovação de estado saudável, resistente e forte o suficiente para combater doenças e infecções. Esse tipo de raciocínio precisa ser alterado com a devida rapidez.

Muitos pais ainda confundem o acúmulo de gordura em seus filhos como uma comprovação de estado saudável, resistente e forte o suficiente para combater doenças e infecções.

Sempre é oportuno recordar que o bullying sofrido por crianças que apresentam peso excessivo, com maior incidência no ambiente escolar, pode deixar sequelas de natureza psicológica, de difícil superação, mesmo que, ao atingir a adolescência, o jovem, como resultado de orientação adequada, recupere o padrão de peso recomendado de acordo com as suas características corpóreas.

Na sequência da vida, quando o indivíduo atinge a fase adulta pode se deparar com os aconselhamentos médicos a respeito da necessidade de modificação imediata dos seus hábitos alimentares. No estrato das pessoas com excesso de peso nessa faixa etária da população podem ser diagnosticados os primeiros indícios de diabetes e distúrbios do sistema cardiorrespiratório.

Não raro, diante desse quadro ainda incipiente, o médico poderá tomar as seguintes atitudes, de acordo com os diagnósticos elaborados: recomenda uma dieta e exercícios para a redução do peso, bem como prescreve medicamentos, e acende um alerta sobre a possibilidade de surgimento de câncer no futuro, caso o sobrepeso não retroaja. Em casos mais críticos de obesidade iminente, é possível o surgimento de um aviso associando o excesso de peso à mortalidade precoce.
Para as pessoas que são portadoras do sentimento de extrema satisfação em viver, o aparecimento dessas inusitadas restrições e obrigações pode trazer como desdobramento um impacto psicológico relevante, a ponto de dificultar a exigida perda de peso.

Ainda no contexto das indesejáveis alterações do quadro de saúde, não se pode descartar a ocorrência de outra situação de suma importância que as pessoas obesas poderão encarar ao longo de suas vidas: a medicina evolui de forma acelerada para desenvolver intervenções e métodos cirúrgicos de alta precisão e complexidade, além de pouco invasivos. No entanto, os pacientes que tenham os seus principais parâmetros fisiológicos e bioquímicos alterados, decorrentes da obesidade, correm o sério risco de não preencher os requisitos de elegibilidade para tais procedimentos. Assim, serão orientados a perder peso para retornar aos padrões de peso requeridos, fato que postergará a etapa cirúrgica do tratamento, podendo comprometer o seu sucesso.

O idoso com excesso de peso quase sempre padece de dificuldades de locomoção.

Por fim, cabe um comentário a respeito da alimentação dos idosos e o impacto financeiro na saúde pública com origem nessa população que aumenta em paralelo com o avanço tecnológico da medicina. É bem possível que os leitores necessitem fazer um esforço para recordar as últimas vezes que se depararam com idosos obesos em locais de acesso geral, como ruas, praças, parques e, até mesmo, shoppings.

Não é que eles sejam raros. O idoso com excesso de peso quase sempre padece de dificuldades de locomoção. Seus membros inferiores não conseguem sustentar, com a devida segurança, a sua estrutura corpórea mais avantajada, pois, via de regra, sofrem com distúrbios graves originários da precária circulação sanguínea, dos efeitos da osteoporose e de desdobramentos cumulativos de outras doenças.

Mantidos em casas de familiares ou em locais destinados a amparar pessoas que adentram à velhice, os idosos enfrentam uma perda de apetite preocupante, causada, entre outros motivos, por alterações no complexo funcionamento das suas papilas gustativas, agravadas pelas restrições radicais quanto ao uso do sal na comida.

Estudos de elevada credibilidade constataram que as primeiras perdas de paladar do idoso ocorrem em relação ao alimento classificado como salgado, permanecendo preservadas por mais tempo, as partes das papilas que identificam os sabores adocicados.

Dependendo do grau de inanição do idoso, ainda sem requerer a internação hospitalar, poderá haver uma concessão à ingestão frequente dos apetitosos alimentos calóricos, como doces, chocolates, bolos e sorvetes, contribuindo para a condição de obesidade do indivíduo. Assumindo-se que este quadro de saúde de pessoas idosas afeta, indistintamente, as diversas camadas da população, configura-se, do ponto de vista do que seria a imprescindível alimentação balanceada, um dilema com contornos de uma marca cada vez mais emblemática das próximas gerações de pessoas na terceira idade.

No início deste texto, além da obesidade, citei o sedentarismo como adversário duro no jogo do controle de peso. Seus principais impactos negativos na vida saudável da população, bem como as possíveis formas de combatê-lo, de maneira a reduzir os altos custos com saúde pública no trato de doenças decorrentes do sobrepeso, ficam para uma próxima oportunidade.

Helio Meirelles Cardoso
Engenheiro químico.

 

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