A história do enlatamento
No fim da década de 1790 a França estava em guerra e com imensa dificuldade para abastecer a sua população e, em especial, a Marinha e as tropas de Napoleão. Os marinheiros e os soldados recebiam carne apodrecida e a alimentação estava caindo de qualidade e não se encontrava um meio de fornecer alimentos sadios para as tropas.
No desespero de encontrar uma solução a curto prazo, as autoridades francesas anunciaram um premio no valor de 12 mil francos para qualquer pessoa que conseguisse descobrir um método de preservação de alimentos adequado para as tropas.
Trabalhando numa simples cozinha doméstica, Nicolas Appert, pasteleiro de profissão, fez uma importante descoberta, ou melhor, uma constatação já que não tinha a menor idéia do seu fundamento.
Ele verificou que os alimentos aquecidos dentro de recipientes herméticos não se estragavam posteriormente a não ser que por uma falha de vedação o ar externo penetrasse. Ao novo processo o pasteleiro “modestamente” deu o nome de “Arte de Appertização”.
Depois de terem passados 10 anos provando a eficiência da sua descoberta, Appert recebeu o prêmio de Napoleão e publicou o seu trabalho L’Art de Conserver Pendant Plusiers Années lês Substances Animales et Végetales (A Arte de Conservar Por Diversos Anos as Substâncias Animais e Vegetais).
Chamo a atenção do leitor para o fato de que mesmo depois da constatação da importância do enlatamento como processo de conservação, as causas da deterioração ainda não ficaram conhecidas. Os cientistas da época achavam que a conservação conseguida era conseqüência da “mistura mágica” do ar nos recipientes herméticos.
Somente 50 anos depois do uso bem-sucedido do enlatamento (estamos usando o termo “enlatamento” em sentido amplo, nele incluindo a conservação em vidros e em outros recipientes hermeticamente fechados) foi que apareceu a primeira explicação realmente científica de por que os alimentos assim embalados não se estragavam.
Appert começou a trabalhar no seu processo em 1795, e em 1810, na Inglaterra, Peter Durand patenteou recipientes de vidro e metálicos para a conservação de alimentos.
Os recipientes metálicos de então eram mal-acabados e difíceis de manusear. Ao redor do ano de 1823 foi inventada uma lata com um buraco na parte de cima, coberto por uma pequena tampa sólida. A lata com o alimento dentro era aquecida em banho-maria para a remoção do ar e a tampa em seguida era soldada.
Em 1824, Appert desenvolveu processos para conservar cerca de 50 alimentos diferentes por enlatamento. Várias dessas latas foram conseguidas pelo Museu Nacional Marítimo de Londres, em 1938 e abertas. Os alimentos contidos nessas latas provaram não serem tóxicos quando testados em animais. Desses produtos foram isoladas bactérias que estiveram “dormindo” durante 114 anos, no mínimo. Semeadas em caldo de cultura essas bactérias cresceram !
A partir de 1850 o enlatamento de alimentos entrou numa fase que pode ser chamada de industrial em virtude dos inúmeros melhoramentos que foram introduzidos.
Atualmente, há uma certa resistência – tecnicamente injustificável – em relação ao consumo de alimentos enlatados, como se o processo, secularmente aprovado, em si, seja capaz de causar algum tipo de inconveniente para o consumidor.
A indústria de alimentos no Brasil é uma das mais avançadas do mundo e desde que aprovados pelos órgãos oficiais de inspeção sanitária e obedecendo o prazo de validade, os produtos são confiáveis podendo ser ingeridos sem preocupação.
Por Luiz Octavio Pires Leal
Editor, titular da Academia Brasileira de Medicina Veterinária.
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